terça-feira, 15 de novembro de 2011

Longa viagem Grenoble-Recife

Chegamos em Recife no dia 24/10. Desta vez é para ficar, eu acho. Talvez por essa ansiedade do retorno a viagem tenha sido longa, cansativa e estressante. Talvez para valorizar a chegada. Sei lá. O que tenho a relatar é que foi caótica, e se não fosse pela ajuda de nossos amigos poderia ter sido pior. Foram várias etapas "dramáticas", descritas a seguir.


Mutirão em Grenoble
Eram 8 malas, duas mochilas, um bebê e um gato. Muita bagagem. Eu precisaria me transformar num octopus para carregar tudo. A estratégia foi deixar a maior parte na casa de um amigo que mora ao lado da gare de Grenoble, onde pegaríamos um trem para Lyon, e lá outro direto para o aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Chegamos em cima da hora na gare. Nossos amigos já tinham levado parte das malas, e já sabiam o quai onde ia sair o trem. Uma amiga nossa tinha nos levado de carro e ainda tinha bastante bagagem. A galera veio ajudar buscando as coisas no carro e subimos correndo no trem, onde acomodamos a bagagem rapidinho. Não deu nem tempo de se despedir direito.

Troca de trens em Lyon

E agora? Como fazer para trocar de trem? 14 minutos de intervalo entre a chegada de nosso trem e a saída do TGV. Impossível eu dar conta. Minha esposa estava limitada a ajudar pois havia o carrinho de bebê com nossa filha e o gato para ela carregar. O namorado de uma amiga nossa mora em Lyon e foi "encarregado" do socorro. Pedi para ele levar dois amigos, mas conseguiu apenas uma alma caridosa para ajudá-lo. Eu nem sabia em que vagão estávamos para poder dizê-lo por telefone. Por sorte, o vagão do nosso trem parou ao lado de onde ele estava. 

Agonia para despejar as 8 malas. Levamos uma parte para o quai onde estava parado o TGV. Um de nós ficou vigiando as malas, e voltei com outro até onde estava minha esposa para virmos com o resto da bagagem. Conseguimos chegar com o trem ainda lá e já era hora do TGV sair. Jogamos tudo no vagão ao lado da rampa. Não era nosso vagão, e TGV tem lugar marcado. Não queríamos saber, apenas queríamos entrar no trem. Tudo certo. Todas as malas no trem. E um vagão bloqueado por nós. Ninguém passava. A porta automática do trem emperrando no carrinho da minha filha, que dormia como um anjo. As malas não deixavam ninguém passar. Fila de pessoas para subir a escada ao lado. O trem já tinha partido. Arruma mala aqui, ali. Passa um, passa outro. Joguei as malas todas no andar de cima.

Bagagem perdida no TGV
Stress para descer com as malas ao chegar em Paris. O controlador na estação avisado das bagagens não queria saber, ficou pressionando e dizendo que o trem não podia esperar.  Um passageiro ajudou a descer com algumas malas, cada uma em média com 30kg. Contagem rápida de malas: oito. Ok. Subida rápida no trem para desencargo de consciência, rabo de olho e descida rápida. O trem vai embora. Aliviado, empilho tudo em dois carrinhos. Conto novamente. Opa. Essa mala cinza eu nao contava com ela. Era a bagagem de mão da minha filha. Não era pra ter entrado na contagem. PQP!!! Cadê a mala preta? 

Achados e perdidos
Vou até o balcão de informação e me dizem que o trem ia para a estação Lille Flanders. Ligo lá e para Lille Europe, que gerencia os achados e perdidos. Apenas no dia seguinte poderíamos saber se a bagagem foi encontrada ou não. A SNCF, empresa dos trens, não se responsabiliza por bagagens perdidas e portanto é responsabilidade do passageiro ir buscá-la ou enviar alguém onde a bagagem estiver. E agora?

Gato com documentação irregular
Nossa passagem era pra ficar em fila de espera, pois foi com tarifa de dependente de funcionário da TAM (novamente, os amigos ajudando na viagem). A compra do bilhete do gato e da nossa filha seria feita na hora. O gato estava com o passaporte e vacinas em dia, mas também dependia de vaga no vôo. O máximo permitido é de dois animais domésticos no mesmo avião. Surgiu vaga no vôo. Beleza! Checa a documentação do gato. Cadê o Certificado Zoosanitario Internacional (CZI) ? PQP!!! Não pode voar. Ficamos em Paris para resolver. O dia seguinte era um domingo...

Sem teto no aeroporto
Antes de poder telefonar ou ir para a clínica veterinária precisaríamos passar a noite no aeroporto. Achamos muito complicado procurar hotel que aceite um gato como hóspede, além do incoveniente de 8 malas, sem contar com nossa filha e o carrinho de bebê. Além disso, a grana ia ser incoveniente também: taxi pra ir e voltar no hotel, taxi no outro dia pra ir ao veterinário, tudo caro em Paris, estávamos desempregados, etc. 

Comemos na McDonald's no piso térreo do Terminal 1, e nos instalamos nas confortáveis poltronas por ali. Tão confortáveis que vários sem teto aparecem por lá para dormir. Tem gente manjada, e o segurança chegou para tirar um de lá. Chamou uma mulher da administração, depois até a polícia. E nós do lado, com 8 malas, 2 mochilas, um gato e um bebê. O nobre segurança olha para nós, abatidos e com cara de sem teto (realmente estávamos sem teto) e pergunta "vocês vão viajar?".  Com muita indignação e num tom de "é óbvio, seu imbecil!", abri os braços apontando para as malas e disse "é claro!".

Desistimos de ficar por lá, pois tava crowdeado com sem teto, uns três. Tinha outras três ou quatro pessoas que pareciam ser passageiros mesmo. Mas na verdade não dá pra saber ao certo, pois os sem teto andam com malas nos carrinhos de bagagem para fingir que são passageiros.

Subimos para a área de embarque, onde estava tudo apagado e apenas o pessoal de limpeza. Dezenas de balanças à nossa disposição para refazermos as malas. Longa noite reequilibrando o peso. Nessa arrumação, nasceu mais uma mala. Agora eram nove. Dormimos muito mal, nervosos e preocupados achando que iam roubar a bagagem ou sequestrar nossa filha. 

Taxi uma ova
O domingo raiou, passageiros ocupando o aeroporto. Um grupo barulhento de muçulmanos subsaarianos nos acorda. Descer, tomar café da manhã no McDô,  e ainda tinha o documento do gato. O cara da TAM disse pra pegar taxi pra ir ao veterinário. Taxi uma ova. Eu vou é de trem. A ida e volta no RER ficou por 9,40 ao invés de ficar pra lá dos 50 se fosse de taxi. 

Mala achada
Voltei ao aeroporto com o documento do gato e fomos para a fila de espera no balcao de embarque. Antes, uma ligadinha para a estaçao de trem de Lille. O cara disse que acharam uma mala com a descriçao que dei e perguntou se era uma mala cheia de utensilios de cozinha. Ela mesmo. Cheio de coisas da Doce Sucré. Perfeito. O cidadao la falou que o protocolo foi gerado e a mala etiquetada. Agora eu teria dois meses para achar alguém para ir buscar a mala. Depois disso eles dariam fim a ela caso ninguém aparecesse.

Gato sem reserva no vôo de conexão
Chegamos em Guarulhos, tiramos as malas, fizemos alfândega e seguimos para o balcão de conexão. Descobriram que o gato nao tinha reserva até Recife. Não sabiam nem se o bilhete dele tinha sido pago ou não pois não constava no sistema dele. Decidimos que minha esposa seguiria com nossa filha no vôo pra Recife e eu ficaria para resolver. 

Tudo certo, a loja da TAM achou os dados informando que o transporte do gato estava pago. Lá vou eu no vôo seguinte, ainda tem stress no raio-X onde eu já tava de saco cheio de tudo e quase choro de desespero e raiva, pedindo pra me deixar ir embora. Fiquem com o gato, mandem por Sedex. Eu só queria chegar. Fui o último a entrar no avião, e como sempre todos perguntando: "é um cachorro?". Não, era um gato. Maldito gato. 

Voltei, Recife
Parafraseando a música de Alceu Valença: "Voltei, Recife. Foi minha esposa que me trouxe pelo braço".
Com a glória de Maomé, das tábuas de Moisés, do Bhagavad Gita, do Torá e de tudo o que é sagrado, chegamos ao Aeroporto Internacional dos Guararapes, rebatizado de Gilberto Freyre. A bagagem despachada seguiu com minha esposa. Eu só estava com minha mochila, um gato e um casaco pesado e inadequado para os 28°C que me esperavam naquele meio de manhã ensolarado de Recife. Jogo tudo em cima de um carrinho de bagagem, e dirigindo-me à saída do portão de desembarque vi uma mulher com o penteado e porte físico parecidos com o de minha mãe, que há onze anos estava no portão de desembarque do antigo aeroporto me esperando chegar de volta dos Estados Unidos, na mesma situação de mudança, mas sem esposa, sem filho e muito menos gato. Meus olhos se enchem de lágrimas. Um nó na garganta, pois rapidamente me dou conta que minha mãe já não está entre nós há quase oito anos. Engulo o choro e sigo caminhando. Saio, e não tem ninguém me esperando. Por incrível que pareça, só não me senti mais só por que estava com o gato.

3 comentários:

Débs disse...

Deus que odisseia,
acompanho seu blog e adoro.
também moro na frança e alguns familiares 'se foram' durante esse tempo , tenho certeza que quando eu voltar pro brasil ainda não vou ter me dado conta.

Laura disse...

Oi Kiev, ja tinha lido o teu post, mas ainda nao tinha parado para escrever. Estava louca para saber como tinha sido a viagem e nao esperava que vocês tivessem tido tantos problemas para resolver. O importante é que tudo acabou bem. Emocionante a descricao da tua chegada no aeroporto de Recife. Força e coragem na nova vida na terrinha. Beijos a todos.

Unknown disse...

Menino!!! Tudo bem Kiev? Tu acredita q soh agora encontrei (vi) teu blog. E olha logo qual foi o primeiro post a ser lido?!
Faltou soh escrever q "amiga" perdeu o tram q perdeu o trem de vcs. E ficou sem se despedir :/ Tram dia de domingo é....`%¨§&£`$
E "O namorado de uma amiga q mora em Lyon" ta aqui do lado dormindo enquanto a amiga ta sem sono e morrendo de saudades dos amigos (e por incrivel q pareça do gato tb ^^) q voltaram p BR.
Abraço p Familia sucré! à bientôt :D