segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cidadania francesa

Nao, nao tirei a minha. Quase. Conto a historia a seguir.
Em setembro do ano passado, ao voltar conversei com um amigo marroquino la do laboratorio que disse que ia dar entrada na cidadania francesa. Ele falou que a cidadania de um amigo dele que faz tese em computacao, como nos, com contrato CIFRE (em parceria com empresa) saiu em seis meses. Meu amigo ficou empolgado com a idéia e ia dar entrada, finalmente, pois ele mora aqui ha nove anos. Ele falou que é so pedir na prefeitura um formulario e fornecer uma tonelada de documentos. Quando fui pegar minha carte de séjour, em setembro, aproveitei e fui também no atendimento da cidadania pra me informar. A conversa foi mais ou menos assim, e ja cheguei fazendo o "migué", como dizem na minha terra:

Senhora, estou renovando meu quarto titre de séjour, e como pretendo ficar aqui na França acho mais facil pedir cidadania pra facilitar a vida etc e tal.

Bom, era mentira, pois eu queria voltar pro Brasil depois da tese. Bem, na verdade minha esposa é que quer voltar a todo custo, e depois de um longo processo de autosugestao hipnotica alienante eu me convenci de que quero ir também. Mas, voltando ao dialogo com a mulher da prefeitura:

Veja bem, senhor. O objetivo da cidadania nao é simplificar a burocracia. O negocio é integrar à pessoa à sociedade francesa.
Sim, claro. Eu quero me integrar. Vou me candidatar a Maître de Conférences (equivalente a professor assistente) aqui e tudo.

Mentira de novo. Se eu fosse Pinoquio meu nariz ia crescer outra vez. Se bem que ia passar despercebido na França, visto o narigao que a galera tem aqui. Continuou a madame da prefeitura:

Tudo bem. Mas veja que o estatuto de estudante é precario. Você tera poucas chances. Para obter a cidadania é importante ganhar mais que o SMIC (salario minimo) e pagar impostos.
Olhe, eu sou estudante de doutorado mas meu estatuto é scientifique, pois sou allocataire de recherche. Como sou monitor também, fica bem acima do SMIC, e eu também ja pago impostos.
Ah, ok. Se é assim entao você tem mais chances. Veja se você cumpre os requisitos, leve esse formulario, preencha e forneça todos os documentos listados nessa folha. Você pode adicionar outros documentos como uma carta de recomendacao, por exemplo de associaçao do bairro, para provar sua integraçao à sociedade. O tempo de resposta é de até 18 meses mas estamos trabalhando para baixar para 12 meses.

Requisitos
Os requisitos para pedir cidadania sao varios. O meu seria:
  • Morar ha pelo menos 5 anos no pais. Exceçoes para quem tem diploma superior francês e dois anos adicionais de estudo na mesma area do diploma.
No meu caso, tenho diploma de Master 2 Recherche (M2R) e mais dois anos e meio de doutorado. O fato de nao ter concluido o doutorado ainda poderia ser negativo, mas tem o historico do rapaz citado acima, que conseguiu em 6 meses ainda como doutorando. Busquei em foruns na Internet e teve gente falando em 5 meses. Como sou da area de Informatica, que ainda possui carência de profissionais na França e em varios outros paìses desenvolvidos, acho que seria um ponto positivo do meu pedido. Além de tudo isso, o prejuizo investimento ao final de nossa estadia custara algo perto dos 100 mil euros para os cofres franceses, juntando bolsas, ajudas sociais, viagens para conferências, etc. Se contabilizar a mensalidade da universidade, que é publica, acho que passa a faixa dos 100 mil. Baseado em antigas declaraçoes de Sarkozy, que pede que estudantes de BAC+5 (Master e Engenheiros) pedindo que nao retornem a seus paises, e fiquem na França, imaginei que seria o mesmo com doutores. Aquele negocio de guardar o investimento pra ter retorno. Eu achava que tinha varias razoes para receber a cidadania, além disso nossa filha nasceu aqui e eu poderia dizer que estava me enraizando, e ela se educando em instituiçoes francesas. Mesmo sem ela ter nacionalidade achava que o argumento seria valido e fortaleceria o pedido.

Just in case
Apesar de nossa filha ter nascido aqui, ela nao é francesa pois nenhum dos pais tem cidadania daqui. O direito de solo nao existe mais na França (alguém me falou que ha um tempo quem nascia era cidadao, mas nao sei se procede essa informaçao). Na verdade existe parcialmente. A criança teria direito a pedir a cidadania aos 16 anos, com a condiçao de estar morando na França e ter vivido ao menos 5 anos, nao necessariamente continuos. O lance de cidadania era mais pra ela, que ganharia automaticamente se viesse pra mim. A minha esposa estaria fora, pois o pedido dela teria que ser feito à parte, mas ela nao qualificaria por nao ter diploma + 2 anos de estudo.

Além de obter cidadania pra filha e ela poder ter uma outra opçao no futuro de querer vir estudar aqui e ter todos os beneficios possiveis, tem o lance para nos mesmos, de poder facilmente voltar caso nosso retorno ao Brasil dê em algo errado, ou se bater um arrependimento de trocar o conforto de um pais desenvolvido pelo calor (tanto do clima como da familia e amigos) da terrinha natal. Adoro a qualidade de vida daqui, e sentirei bastante impacto em varios sentidos voltando para o Brasil. Acostumar com coisa boa é facil. Desacostumar é dificil. Mas minha terra é minha terra.

Para que nao pensem que é frescura de quem vem morar na Europa, tentem me entender com um exemplo exagerado: sua mae é uma prostituta, e mora numa favela, onde você cresceu. Você vai morar em outro lugar melhor, nao mora mais naquela favela, e tem acesso a coisas melhores. Apesar de preferir essa vida nova, você sempre sera filho da puta que cresceu num favela. Mas você sempre vai amar sua mae, independente do que ela faz, e você vai sempre se sentir em casa na favela onde cresceu. De qualquer maneira, o que fazem com tua mae te incomoda, e as condicoes de vida na tua favela poderiam ser melhores, menos violencia, etc. Agora leia de novo o inicio deste paragrafo, trocando a palavra "mae" por "patria", e "favela" por "paìs". Entendeu agora?

Voltando à cidadania francesa: ficamos na duvida aqui em casa se voltariamos pro Brasil no fim do doutorado ou nao. Fica e espera cidadania? Vai ou nao vai? Como diz a letra daquele forro: Eu boto ou nao boto? Tô com medo. Decidimos que iamos voltar de qualquer maneira em outubro, depois da defesa. Dariamos entrada na papelada, e se saisse a cidadania, beleza. Senao, tranquilo também. Estava com todos os documentos ja. Até antecedentes criminais do Brasil tinha.

Documentos originais
Ao preencher o formulario vi que falavam em ficar com documentos originais. Perguntei a meu amigo que tinha dado entrada, e ele confirmou. Eles armazenam sua certidao de nascimento (no meu caso seria a de casamento) e varios outros documentos. Abort mission. Dei ré e desistimos. Nao queremos correr o risco de ir embora e deixar documentos importantes aqui, em troca de uma coisa que "pode ser que talvez de repente seja util no futuro".

Digamos que desse certo e até mesmo que nao voltassemos. Mesmo que me desse emprego publico francês, cidadania e mudassem meu nome pra Jean Pierre, eu nunca me sentiria francês. Nem português, nem norte-americano, nem o que seja-ês. Apesar de nos 14 anos vividos na minha idade adulta (dos 18 anos aos 32 que terei no fim do doutorado) ter passado metade no exterior (3 nos EUA e 4 na França). Nasci e cresci (0 a 18 anos) em Recife. Eu falo outras 3 linguas, mas nunca dominarei nenhuma como o meu português brasileiro. Sou brasileiro para sempre. Minha alma é brasileira e minha cultura é nordestina. Meu sotaque pode até ter enfraquecido, mas falo ôxe, vixe, eita porra, véi, carai. Sou brasileiro, pernambucano e megalomaniaco. Tenho raiva e amor, vergonha e orgulho da patria que me pariu.
Mas bem que um passaportezinho europeu cairia bem, no caso da minha patria mae arrumar um cafetao malvado em um governo futuro...

3 comentários:

Laura disse...

Oi Kiev, a-d-o-r-e-i este post! Vou dar entrada no meu pedido de cidadania, visto que meus planos são de ficar aqui por um tempo (que eu ainda não sei quanto é). Pois o meu namorado fez a hipnose ao contrario do que a Lila fez em ti. Ele adora o Brasil, adora as pessoas de la, os times de futebol de la, mas so em doses homeopaticas, quer ficar na França. Eu cedi, mas não consigo pensar como um plano para a vida toda. O que tu colocas aqui, fazer um passaporte para ter um plano B na vida é uma possibilidade.
Vai que coloquem fogo na favela, né? Beijos para vocês.

kiev gama disse...

Legal que vc vai dar entrada. Se tu vai ficar aqui, mesmo que por um tempo, tem é que dar entrada mesmo. Nao custa nada. Literalmente. Nao paga taxa pra se analisar o dossier, so se for aprovado que vc paga.

Ja pegou a ficha? Eles dao no accueil da prefeitura.

Boa sorte!

Raphaelta disse...

Obrigado pelo seu post, o relato da sua experiência é bastante util! Estou lendo-o 7 anos depois de sua escrita e... parece que o cafetão malvado chegou heuheuheue =p