domingo, 4 de dezembro de 2011

Merci et à bientôt

Este é 200° post publicado neste blog. Apesar de haver outros 9 (logo, total de 209) em edição ha meses, eles não serão publicados, pois o momento do relato passou e a memória dos eventos já não está tão fresca. Acho que perde o sentido no caso de um blog, publicar um relato de algo de meses ou anos atrás. 

Este post de numero 200 é o último. C'est fini. A minha jornada chegou ao fim, como descrita no post anterior. Ha duas semanas comecei a trabalhar aqui em Recife, onde continuo na setor de P&D, mas com um D maior que o P. Portanto, um ciclo se fechou e outro foi iniciado. A jornada de ir para França acabou (voltei, Recife!), e outra foi iniciada aqui mesmo onde nasci e cresci. Vida nova, endereço novo, emprego novo.

É fato que eu queria ficar mais um tempinho pelo lado de lá (na França), e que até surgiram oportunidades, mas minha esposa não aguentava mais ficar longe. Ela insistiu na volta e entendo perfeitamente o lado dela, que sacrificou a vida (uma parte) e objetivos profissionais para me acompanhar em meus sonhos. Aconselho casais a discutirem seriamente decisões deste tipo para evitar futuros conflitos. De volta a Recife conheci, direta e indiretamente, casos de profissionais da área de TI que foram para Canadá, EUA e Inglaterra e que tiveram problemas de adaptação/insatisfação das esposas, tendo que optar pelo retorno como a maneira de manter o casamento. O caso delas ainda era "menos pior" pois eram profissionais com bons salarios enquanto nos tinhamos orçamento de estudantes.

Voltar
A experiência de ir e vir é problemática. Pode viciar e nos tornar nômades. Falei disso no blog de um amigo quando eu estava prestes a voltar. Até agora não me arrependi e por enquanto não estou com vontade de ir a lugar algum. Especialmente depois de uma volta complicada como a nossa. Gostaria muito que desse tudo certo por aqui pra eu não ter que ir atrás da grama mais verde do vizinho. Ainda mais com uma esposa traumatizada com o nomadismo. Mas, por incrivel que pareça para os que estao acostumados com a choradeira de meus posts, eu estou adorando estar de volta e nao sinto falta da França. Da mesma forma que eu nao sentia falta do Brasil quando estava la. Sinto falta das pessoas. Ah, da França estou com saudades do sistema de transporte. Nao tenho saudades do otimo vinho a preço acessivel (pensei que fosse ter), pois aqui é um inferno de quente e eu so quero agua, refrigerante e suco. Estou conformado com todas as diferenças sociais, e tenho convicção que o Brasil precisa de muita ajuda. Tentarei fazer minha parte, ainda que nao represente praticamente nada em relaçao à essa grande maçã podre. Resumindo: acho que não me tornei o chato que volta e fica "por quê na Europa isso, por quê nos EUA aquilo". E olha que tô sofrendo andando de ônibus, e até ja sofremos tentativa de assalto com menos de um mês aqui. Espero que nao role nada pior que essas coisas.

Agradecimentos
Agradeço a todos os que leram meus relatos, piadas, loucuras, baboseiras. O feedback, seja por comentário, email, gtalk, pessoalmente, etc, me estimulou a escrever mais. O blog serviu de terapia e procrastinação ao longo destes últimos 4 anos. Posts vomitados, outros caprichados. Posts genéricos ou pessoais. Úteis (como esse e esse) e inúteis (como esse). Outros, marcantes na minha jornada, outros marcantes para o resto da vida

Através deste blog fiz algumas amizades que espero manter ao longo da vida, e quem sabe conhecer ao vivo e em cores pessoas as quais mantenho contato apenas pela Internet. Aos visitantes que chegarem depois de hoje (que deixará de ser hoje em algumas horas), busquem pelas tags para ver se encontram algo útil em relação a ir morar ou estudar na França. Esta foi minha visão dos fatos, e portanto pode ser diferente da de outras pessoas. Fiquem à vontade em enviar emails ou comentarem os posts. Não prometo transformar respostas de emails em posts, como fiz algumas vezes, mas prometo respondê-los.

Aos visitantes antigos, regulares ou não, tendo o hábito de comentar ou não, peço um favor: que comentem este último post dizendo a cidade onde estão. O Google Analytics já informa isso neste blog, mas vindo do leitor acho a estatística mais humana e interativa :)

Como me disseram em Grenoble, amigos não dizem au revoir, dizem à bientôt (até logo).

À bientôt les amis.

PS1: Eu ia escrever um "balanço" destes quatro anos, mas desisti. Fica pra outro post... Eita! Acabou o blog e todos os "fica pra outro post" ficaram pra nunca.  
PS2: Se bater a vontade de blogar de novo (sobre outros assuntos), postarei o link do novo blog na coluna aqui ao lado. 
PS3: Clique aqui :)
PS4: Este post foi escrito com teclado QWERTY e concluido com um AZERTY. Leiam a mensagem da coluna à direita.
PS5: Acabaram os PS deste post :)


//acabou! valeu!
end blog;

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Longa viagem Grenoble-Recife

Chegamos em Recife no dia 24/10. Desta vez é para ficar, eu acho. Talvez por essa ansiedade do retorno a viagem tenha sido longa, cansativa e estressante. Talvez para valorizar a chegada. Sei lá. O que tenho a relatar é que foi caótica, e se não fosse pela ajuda de nossos amigos poderia ter sido pior. Foram várias etapas "dramáticas", descritas a seguir.


Mutirão em Grenoble
Eram 8 malas, duas mochilas, um bebê e um gato. Muita bagagem. Eu precisaria me transformar num octopus para carregar tudo. A estratégia foi deixar a maior parte na casa de um amigo que mora ao lado da gare de Grenoble, onde pegaríamos um trem para Lyon, e lá outro direto para o aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Chegamos em cima da hora na gare. Nossos amigos já tinham levado parte das malas, e já sabiam o quai onde ia sair o trem. Uma amiga nossa tinha nos levado de carro e ainda tinha bastante bagagem. A galera veio ajudar buscando as coisas no carro e subimos correndo no trem, onde acomodamos a bagagem rapidinho. Não deu nem tempo de se despedir direito.

Troca de trens em Lyon

E agora? Como fazer para trocar de trem? 14 minutos de intervalo entre a chegada de nosso trem e a saída do TGV. Impossível eu dar conta. Minha esposa estava limitada a ajudar pois havia o carrinho de bebê com nossa filha e o gato para ela carregar. O namorado de uma amiga nossa mora em Lyon e foi "encarregado" do socorro. Pedi para ele levar dois amigos, mas conseguiu apenas uma alma caridosa para ajudá-lo. Eu nem sabia em que vagão estávamos para poder dizê-lo por telefone. Por sorte, o vagão do nosso trem parou ao lado de onde ele estava. 

Agonia para despejar as 8 malas. Levamos uma parte para o quai onde estava parado o TGV. Um de nós ficou vigiando as malas, e voltei com outro até onde estava minha esposa para virmos com o resto da bagagem. Conseguimos chegar com o trem ainda lá e já era hora do TGV sair. Jogamos tudo no vagão ao lado da rampa. Não era nosso vagão, e TGV tem lugar marcado. Não queríamos saber, apenas queríamos entrar no trem. Tudo certo. Todas as malas no trem. E um vagão bloqueado por nós. Ninguém passava. A porta automática do trem emperrando no carrinho da minha filha, que dormia como um anjo. As malas não deixavam ninguém passar. Fila de pessoas para subir a escada ao lado. O trem já tinha partido. Arruma mala aqui, ali. Passa um, passa outro. Joguei as malas todas no andar de cima.

Bagagem perdida no TGV
Stress para descer com as malas ao chegar em Paris. O controlador na estação avisado das bagagens não queria saber, ficou pressionando e dizendo que o trem não podia esperar.  Um passageiro ajudou a descer com algumas malas, cada uma em média com 30kg. Contagem rápida de malas: oito. Ok. Subida rápida no trem para desencargo de consciência, rabo de olho e descida rápida. O trem vai embora. Aliviado, empilho tudo em dois carrinhos. Conto novamente. Opa. Essa mala cinza eu nao contava com ela. Era a bagagem de mão da minha filha. Não era pra ter entrado na contagem. PQP!!! Cadê a mala preta? 

Achados e perdidos
Vou até o balcão de informação e me dizem que o trem ia para a estação Lille Flanders. Ligo lá e para Lille Europe, que gerencia os achados e perdidos. Apenas no dia seguinte poderíamos saber se a bagagem foi encontrada ou não. A SNCF, empresa dos trens, não se responsabiliza por bagagens perdidas e portanto é responsabilidade do passageiro ir buscá-la ou enviar alguém onde a bagagem estiver. E agora?

Gato com documentação irregular
Nossa passagem era pra ficar em fila de espera, pois foi com tarifa de dependente de funcionário da TAM (novamente, os amigos ajudando na viagem). A compra do bilhete do gato e da nossa filha seria feita na hora. O gato estava com o passaporte e vacinas em dia, mas também dependia de vaga no vôo. O máximo permitido é de dois animais domésticos no mesmo avião. Surgiu vaga no vôo. Beleza! Checa a documentação do gato. Cadê o Certificado Zoosanitario Internacional (CZI) ? PQP!!! Não pode voar. Ficamos em Paris para resolver. O dia seguinte era um domingo...

Sem teto no aeroporto
Antes de poder telefonar ou ir para a clínica veterinária precisaríamos passar a noite no aeroporto. Achamos muito complicado procurar hotel que aceite um gato como hóspede, além do incoveniente de 8 malas, sem contar com nossa filha e o carrinho de bebê. Além disso, a grana ia ser incoveniente também: taxi pra ir e voltar no hotel, taxi no outro dia pra ir ao veterinário, tudo caro em Paris, estávamos desempregados, etc. 

Comemos na McDonald's no piso térreo do Terminal 1, e nos instalamos nas confortáveis poltronas por ali. Tão confortáveis que vários sem teto aparecem por lá para dormir. Tem gente manjada, e o segurança chegou para tirar um de lá. Chamou uma mulher da administração, depois até a polícia. E nós do lado, com 8 malas, 2 mochilas, um gato e um bebê. O nobre segurança olha para nós, abatidos e com cara de sem teto (realmente estávamos sem teto) e pergunta "vocês vão viajar?".  Com muita indignação e num tom de "é óbvio, seu imbecil!", abri os braços apontando para as malas e disse "é claro!".

Desistimos de ficar por lá, pois tava crowdeado com sem teto, uns três. Tinha outras três ou quatro pessoas que pareciam ser passageiros mesmo. Mas na verdade não dá pra saber ao certo, pois os sem teto andam com malas nos carrinhos de bagagem para fingir que são passageiros.

Subimos para a área de embarque, onde estava tudo apagado e apenas o pessoal de limpeza. Dezenas de balanças à nossa disposição para refazermos as malas. Longa noite reequilibrando o peso. Nessa arrumação, nasceu mais uma mala. Agora eram nove. Dormimos muito mal, nervosos e preocupados achando que iam roubar a bagagem ou sequestrar nossa filha. 

Taxi uma ova
O domingo raiou, passageiros ocupando o aeroporto. Um grupo barulhento de muçulmanos subsaarianos nos acorda. Descer, tomar café da manhã no McDô,  e ainda tinha o documento do gato. O cara da TAM disse pra pegar taxi pra ir ao veterinário. Taxi uma ova. Eu vou é de trem. A ida e volta no RER ficou por 9,40 ao invés de ficar pra lá dos 50 se fosse de taxi. 

Mala achada
Voltei ao aeroporto com o documento do gato e fomos para a fila de espera no balcao de embarque. Antes, uma ligadinha para a estaçao de trem de Lille. O cara disse que acharam uma mala com a descriçao que dei e perguntou se era uma mala cheia de utensilios de cozinha. Ela mesmo. Cheio de coisas da Doce Sucré. Perfeito. O cidadao la falou que o protocolo foi gerado e a mala etiquetada. Agora eu teria dois meses para achar alguém para ir buscar a mala. Depois disso eles dariam fim a ela caso ninguém aparecesse.

Gato sem reserva no vôo de conexão
Chegamos em Guarulhos, tiramos as malas, fizemos alfândega e seguimos para o balcão de conexão. Descobriram que o gato nao tinha reserva até Recife. Não sabiam nem se o bilhete dele tinha sido pago ou não pois não constava no sistema dele. Decidimos que minha esposa seguiria com nossa filha no vôo pra Recife e eu ficaria para resolver. 

Tudo certo, a loja da TAM achou os dados informando que o transporte do gato estava pago. Lá vou eu no vôo seguinte, ainda tem stress no raio-X onde eu já tava de saco cheio de tudo e quase choro de desespero e raiva, pedindo pra me deixar ir embora. Fiquem com o gato, mandem por Sedex. Eu só queria chegar. Fui o último a entrar no avião, e como sempre todos perguntando: "é um cachorro?". Não, era um gato. Maldito gato. 

Voltei, Recife
Parafraseando a música de Alceu Valença: "Voltei, Recife. Foi minha esposa que me trouxe pelo braço".
Com a glória de Maomé, das tábuas de Moisés, do Bhagavad Gita, do Torá e de tudo o que é sagrado, chegamos ao Aeroporto Internacional dos Guararapes, rebatizado de Gilberto Freyre. A bagagem despachada seguiu com minha esposa. Eu só estava com minha mochila, um gato e um casaco pesado e inadequado para os 28°C que me esperavam naquele meio de manhã ensolarado de Recife. Jogo tudo em cima de um carrinho de bagagem, e dirigindo-me à saída do portão de desembarque vi uma mulher com o penteado e porte físico parecidos com o de minha mãe, que há onze anos estava no portão de desembarque do antigo aeroporto me esperando chegar de volta dos Estados Unidos, na mesma situação de mudança, mas sem esposa, sem filho e muito menos gato. Meus olhos se enchem de lágrimas. Um nó na garganta, pois rapidamente me dou conta que minha mãe já não está entre nós há quase oito anos. Engulo o choro e sigo caminhando. Saio, e não tem ninguém me esperando. Por incrível que pareça, só não me senti mais só por que estava com o gato.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Jeitinho francês

Em algum post neste blog já falei que várias pessoas já quebraram meu galho por aqui. Nada que fuja da legalidade, mas uma "mãozinha" que agiliza na hora que precisei. É normal muito francês não quebrar galho e dizer o velho désolé ("só lamento" numa boa versão brasileira humorada), mas eu dei sorte algumas vezes. Algumas quebradas de galho poderiam dar bronca pra quem fez, pois dependendo da interpretação do regulamento poderia-se considerar como fora da legalidade, mesmo que temporariamente. Posso contar pessoalmente a quem quiser, pois não quero deixar provas aqui, mesmo que o blog seja em português. Sei lá se alguém vai dedurar  :) 

A última quebrada de galho foi a acelerada na liberação do meu comprovante de defesa de doutorado. Eu tenho até agora o título verbal e testemunhas. Nenhum papel diz que eu sou doutor. Nesta época do ano (setembro e outubro), devido ao alto número de defesas de doutorado, o processo leva de duas a três semanas após a entrega da tese na biblioteca. Eu entreguei a minha segunda-feira passada. O colégio doutoral poderia me emitir uma cópia do documento esta semana, mas o original seria liberado só depois da validação na biblioteca. Mandei emails às diferentes pessoas, explicando a situação de que eu estaria voltando para meu país e que o documento seria necessário, esperar envio pelo correio ia complicar se parari parará etc e tal. O documento está pronto e liberado hoje, uma semana e um dia após eu ter dado entrada no processo. O problema é que se todo mundo pedir com urgência, sem realmente ser urgente, o termo banaliza e nenhum funcionário vai querer mais quebrar o galho de quem precisa.

domingo, 16 de outubro de 2011

Onde morar em Grenoble



Crio este post depois de ter respondido ao terceiro ou quarto email em que estudantes/pesquisadores me perguntaram "onde é melhor morar em Grenoble?"

Isso depende de alguns fatores, pois 'melhor' é altamente relativo. Uma regra geral é: Se quiser tranquilidade (ou monotonia) fique perto do campus, caso contrário busque morada mais próxima do centro de Grenoble. Se decidir ir para longe do campus, pense no transporte. Ônibus param de circular por volta das 20:30 enquanto os tramways vão até depois de meia-noite. Portanto, escolher apartamento perto das paradas de tramway é sempre uma boa. Um mapa da rede de tramway está anexado ao post, para referência. Há um outro post em que falo de moradia em Grenoble, de uma maneira mais geral.

Abaixo, uma lista não exaustiva das vizinhanças que acho interessante. 

Em Grenoble
  • Hypercentre: Gambetta, Cours Berriat, Alsace Lorraine, Felix Poulat, Felix Vialet, Gares, Jean Jaurès (uma parte dela passa no "hypercentre"). Pode-se tomar o tramway B, que vai ao campus.
  • Imediaçoes da Blvd. Foch (onde passa o tramway C, vai direto ao campus), inclusive as cidades de Seysssins e Seysinet-Pariset
  • Centro perto do Parc Paul Mistral (Norte da Av. Jean Perrot, Albert 1er de Belgique, Blvd. Clemenceau)


Sugiro evitar os bairros abaixo (os aluguéis parecerao sempre "tentadores" pelo preço abaixo da média): 
Villeneuve
Village Olympique
Arlequin
Teisseire
Abbaye

Estas são áreas de problemas sociais e delinquência, chamadas quartiers sensibles. Nada próximo de favelas, inclusive se voce passar por la pode até nao acreditar por serem areas tao bonitinhas, mas é melhor evitar.


Cidades Vizinhas
O campus na verdade é situado na divisa de Gières/St. Martin d'hères. Abaixo, as cidades (do tamanho de grandes bairros de metrópoles brasileiras) circundando o campus:

  • Meylan: bem caro, mas muita gente do campus mora por la. Facil para ir de bicicleta, mas precisa de 1 onibus e 1 tram se for usar transporte publico.
  • St. Martin d'hères: algumas partes, de preferencia perto do campos. O tramway D passa por lá, mas se ficar muito ao Sul o acesso ao campus é mais difícil.
  • Gières: Idem a St. Martin d'Hères, de preferência que seja perto do campus não muito longe do tramway B
O detalhe desta cidades acima é que ouvi falar (logo, carece de fontes) que imposto de moradia é mais caro em Meylan e St. Martin d'Hères.

Você que já mora aqui e você que já morou ou já esteve aqui talvez não concorde com minhas preferências acima, mas elas servem de base para você que virá e não tem o menor referencial ;)

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Gafes da defesa

Continuando sobre a defesa, cometi algumas gafes naquele dia:

  1. A defesa foi feita em francês, com slides em inglês e as perguntas previstas para serem em inglês para que dois membros da banca pudessem compreender. Até este ponto nada de gafe. Na primeira pergunta, interrompi o jurado depois de algum tempo dizendo: "poderia refazer a pergunta em inglês para que fulano e beltrano possam entender". Caiu a ficha para todos, e o resto das perguntas seguiu em inglês.
  2. Na hora de responder perguntas, chamei todos os jurados pelo primeiro nome. Um sacrilégio na lingua francesa referir-se à banca sem ser pelo vous e pelo monsieur utilizando sempre o sobrenome da pessoa. Como respondi em inglês, soaria estranho, eu acho. Além disso eu conhecia ja praticamente todos os membros da banca.
  3. Depois do titulo concedido verbalmente, tive que ser lembrado pelos amigos para dar o discurso de agradecimento. Esqueci de agradecer à banca...
  4. Na hora do pot de thèse, o coquetelzinho que tem depois, nao servi aos jurados. Abri um espumante e fui enchendo varios copinhos. Depois de alguns minutos quando todo mundo tava comendo e bebendo, chegou um membro da banca que eu ja conhecia e cochicha em tom de brincadeira: "tu sabia que o recém doutor deveria servir a bebida aos membros da banca?". Eu me desculpei e me defendi: "ninguém me disse nada" :)
Essas foram as que eu lembrei, ou que me chamaram a atençao. Provavelmente houve outras, pois quando comoetemos uma gafe geralmente nao nos damos conta...

domingo, 9 de outubro de 2011

Docteur Gama


Acabou.

Nesta ultima quinta-feira, dia 6/10 defendi minha tese e recebi verbalmente o titulo de Docteur en Informatique de l'Université de Grenoble.

Ao lado, uma foto tirada pelo meu colega Bassem. Imagem do doutorando Kiev sendo postada pelo Dr. Gama que escreve este post :)

Observem-me de pé, de frente para 4 dos 7 membros da banca. Como assim quatro? O computador à direita na foto era um membro da banca participando via video conferência no Skype. Ele estava na California, para um evento e acordou às 4:00AM no horario local, que era 1:00PM aqui na França. Esse foi talvez o ponto mais estressante antes da minha defesa. So consegui a conexao em video com ele uns dois minutos antes da banca chegar. Foi até um fato engraçado. Eu falei "Peter, o pessoal da banca acaba de entrar na sala", virei o computador pra os membros que depois se aproximaram para sauda-lo um a um, apresentando-se. Estranho. Ao terminar a minha apresentaçao, o jurado distante foi o primeiro a fazer as perguntas. Depois, virei o laptop onde "estava" o jurado distante para ficar de frente para a banca. Estranho. Ao final da longa sessao de questoes feitas pelos outros, a banca dirigiu-se para uma sala onde iriam deliberar o resultado para depois voltar e anuncia-lo. Peter foi junto, nos braços de meu orientador. Nao era bem ele carregado nos braços, mas o laptop. Muito estranho. E viva o Wifi, que permitiu ao jurado "caminhar" pelas dependências da Ensimag estando a milhares de kilometros de distância. 

Na volta, o resultado foi anunciado, aperto de mao com cada membro da banca, exceto Peter, que me felicitou verbalmente pois nao tinha como dar aperto de mao. Completamente estranho. Infelizmente este tipo de video conferência movel ainda limita os participantes em alguns aspectos, pois além de nao conseguir dar o aperto de mao, Peter também nao pode ir para o pot de thèse onde bebemos Clairette de Die (pronuncia-se 'di'), um tipo de espumante de uma cidade perto de Grenoble, e comemos varias coisas legais que minha esposa preparou.

PS: Voltei a escrever num laptop de teclado AZERTY, que em breve devolvo ao labô :P

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Desempregado e ilegal

Desde o dia 1 de outubro estou desempregado e ilegal na França. Minha última bolsa da UJF e meu último salário como monitor da Ensimag já foram pagos, agora já é Merci! Au revoir! Bonne continuation. O negócio de ficar ilegal já aconteceu antes de forma semelhante. Teoricamente eu já dei entrada numa extensão para ficar até o fim do mês e receberei algum papel pelo correio com uma autorização de permanência. Na prática, estou ilegal. Se a polícia me parar e pedir documento, o 'seu puliça' vai ver que o meu venceu dia 30. Apenas me pediram uma vez, em quatro anos vivendo aqui, quando eu passava na frente da gare SNCF (estação de trem), trajeto diário quando morávamos ali perto. Acho pouco provável que haja algum transtorno.

* O texto da imagem, numa tradução livre, quer dizer "Programarei em troca de comida". Não entendeu? Clica aqui pra ver como usa essa placa.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Primeiro Toco

Enquanto tem um bocado de neguinho foragido que faz doutorado com dinheiro brasileiro no exterior e não quer voltar dizendo que não tem oportunidades no Brasil, eu, que não usei um centavo do governo brasileiro, estou voltando e o CNPq me nega bolsa de pós-doc. Estou nacionalizando cerca de 100 mil euros que a França desembolsou comigo e minha família, entre bolsas, ajudas sociais, viagens à conferências, recursos usados no laboratório, etc. Supostamente eu deveria estar apto a formar pessoas e a fazer pesquisa.

Claro que o governo brasileiro não tem obrigação de me dar nada. Mandei um projeto de pós-doc que fiz com um professor da Federal. e avaliado por um comitê de especialistas. Recebi a notícia sem problemas. Mas depois de refletir sobre o que está descrito no parágrafo acima, fiquei chateado. Não vou estender a ladainha. Paro por aqui, pois ainda devo terminar meus slides pra  minha defesa na próxima quinta-feira.  Este é o primeiro toco que levo do Brasil, sem ainda nem ter chegado de volta, de vários que estão por vir. Apesar disso ainda me considero bastante sortudo em diversos aspectos. Ou será que eu fiquei mais sortudo depois que saí? Descubrirei isso em algumas semanas.

domingo, 25 de setembro de 2011

Defesas de doutorado na França

Post esquecido em modo edição há uma semana. Segue ele:

Apesar de eu nao saber em detalhe como funcionam no Brasil as defesas de doutorado, sei que em relaçao à França tem boas diferenças. Neste post detalho um pouco como funciona aqui na França, especificamente defesas de teses em Computaçao na academia de Grenoble.

No Brasil ouvi muita gente falar de uma etapa chamada de "qualificaçao", em que o doutorando apresenta o problema que esta estudando, a relevância, as abordagens e soluçoes propostas os avanços, etc. Pelo que entendi, tudo isso serve como uma pré-aprovaçao (malditos hifens que nao sei se ainda existem com a nova reforma ortografica). Depois de passar na qualificaçao o doutorando continua a redaçao da [dissertaçao |tese|manuscrito| o nome que você achar melhor] e defende dentro de alguns meses.

Aqui, como tudo na boa e velha França, tem uma deliciosa burocracia em um tempo curto que traz uma pitada de stress ao doutorando, especialmente se ele corre contra o relogio, como eu. Resumi em dez as etapas a serem seguidas:

  1. Escolha da banca examinadora: Normalmente escolhida pelo orientador, mas o doutorando pode "influenciar", como eu consegui. Propus três dos seis membros da banca (sete contando com o orientador). O maximo sao 8 membros na banca.
  2. Preenchimento dos formularios de defesa:  Detalhes da defesa (titulo da tese, abstrac, data e local da defesa, membros da banca, etc). Entregar papelada na escola doutoral.
  3. Envio do manuscrito aos revisores da banca: Os revisores da banca (normalmente dois) recebem um convite formal da univseridade, e o manuscrito de tese é enviado à eles por correio pelo doutorando ou orientador.  
  4. Relatorio dos revisores: Os relatores tem quatro semanas para enviarem um relatorio autorizando ou nao a defesa. Esse é o "go/ no go". Aqui os relatores dao sua apreciaçao num relatorio escrito. Eles podem dizer nao (e obviamente soliticar alteraçoes), podem dizer sim e solicitar alteraçoes, e podem simplesmente dizer sim. Os critérios de aprovaçao sao: satisfatorio, bom, muito bom, excelente.
  5. Validaçao e processo de entrada na escola doutoral (departamento de computaçao): Relatorio ok, Papelada pra ser assinada pelo diretor da escola doutoral. Processo deve ser iniciado 4 semanas antes defesa. Essa etapa dura dois dias no minimo. 
  6. Envio do dossiê ao Colégio doutoral (universidade): Papelada pra receber a assinatura do presidente da universidade (i.e., reitor). Entregar com no minimo com 3 semanas de antecedência da data de defesa. Estou aguardando esta etapa, que ao que tudo indica 
  7. Defesa: O grande dia. 45 minutos de defesa, pelo menos cerca de 30 minutos de perguntas. Depois a banca se tranca numa sala para a deliberaçao do resultado. Imagino que decidam rapido, mas ficam fazendo hora pra "valorizar" o protocolo. Depois de uns 15 minutos informam o resultado. Geralmente é positivo, salvo rarissimas exceçoes (eu nao sei citar qual foi a exceçao). Depois disso o pôt de thèse, um coquetelzinho pra confraternizar-se com a banca e os outros que estavam presentes na defesa. Um relatorio e mais papeis da burocracia sao preenchidos pela banca e o recém-doutor entrega no colégio doutoral.
  8. Versao final entregue à biblioteca : Até três meses depois do passo acima. Hoje em Grenoble ja nao é mais necessario imprimir a tese (um desperdicio, pois geralmente teses nao sao lidas depois de defendidas). Agora basta fazer o upload no site da biblioteca et voilà.
  9. Comprovante de defesa: Emitido até 3 semanas depois do passo acima ser validado pela biblioteca.
  10. Emissao do diploma: Esse é lento. Leva entre um ano e um ano e meio apos o passo acima.

Eu tive a reposta positiva na semana passada, e tudo esta entregue à escola doutoral. Um relator marcou  o resultado como "muito bom" e o outro como "bom". Fiquei bem contente, pois mesmo depois de um periodo turbulento do lado pessoal, consegui ficar acima do satisfatorio. No momento em que escrevo este post estou entre os passos 6 e 7.

Segundo o que conheç até agora, se o doutorando chegou até a etapa de defesa ja esta tudo "quase" garantido e o titulo é "quase" certo. O grosso do trabalho mesmo para alcançar o grau de doutor foi a escrita da tese, e obviamente toda a pesquisa conduzida para chegar ao conteudo apresentado na tese. Comecei a dizer que a defesa faz parte do processo de tortura. Na verdade, é uma formalidade que serve para o candidato apresentar seu trabalho e responder aos questionamentos da banca, provando que foi ele quem conduziu a pesquisa. Isso evita fraudes de teses "compradas" ou escritas por terceiros (ex: assessor de alguém importante e muito ocupado para escrever uma tese, como um politico).

Provavelmente as duas unicas pessoas do mundo que lerao tua tese de cabo a rabo sao os relatores (rapporteurs). Talvez existam três, caso o orientador o faça. Tenho a impressao que o meu pulou varias paginas da minha, levando em conta a distribuiçao de comentarios ao longo das paginas: trechos carregados de comentarios versus trechos (longos) sem comentario algum, nem mesmo um "ok" como ele tem habito de colocar ao lado de frases delicadas ou de trechos pesados complicados para entender.

Acho-me extremamente prolixo (tem nada a ver com lixo nao, viu? Na duvida posto o link pra o dicionario). Vide os tamanhos dos posts. O mesmo aconteceu com a tese, que eu queria que tivesse 120 paginas de texto. Terminou com 170 e se contar capa, indices, referencias, subiu pra 198. Eu mudei a formataçao varias vezes pra ganhar paginas e descer das 200 pra nao assustar os rapporteurs. Acreditem em mim, poucas pessoas se motivam a ler teses de computaçao INTEIRAS com mais de 200 paginas. E olha que o assunto que estudo nao é hardcore. Alguns podem até questionar se Engenharia de Software é mesmo "ciência" digna de titulo de doutorado. A versao final vai passar das 200 paginas pois adicionei um resumo de 5 paginas em francês (escrevi a tese em inglês).

A defesa
Voltando à etapa 7, sao 45 minutos de defesa, o que acho um pouco desproporcional em relaçao ao tempo levado para a pesquisa. Para ter idéia, o tempo destinado aos artigos de conferência (+/- 16 paginas) que apresentei foram de 20 ou 25 minutos para cada um. De qualquer forma, a capacidade des sintese e de abstraçao do doutorando é avaliada na defesa. Ja assiti a uma defesa em que a sessao de perguntas foi de 1:30

Fico aqui entao aguardando a chegada destes 45 minutos, ja ansioso para dar ponto final nessa etapa e começar a proxima. No meio tempo, preparo os slides da apresentaçao e imagino possiveis perguntas que a banca vai fazer. Dia 6/10 à tarde estarei no Amphi E da Ensimag apresentando. Mentalizem boas vibraçoes para mim :)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Intercâmbio no Brasil

Quem quer ir fazer um intercâmbio no Brasil ?

Esta é a pergunta que sera feita dia 15 aqui na Ensimag, escola de engenheiros em Informatica de Grenoble que tem programa de intercâmbio com diversas instituiçoes no mundo, inclusive o Brasil. O convênio é com a UFRGS, uma as melhores na area de computaçao do paìs  O objetivo do journée Brésil é mostrar o valor desta experiência para os potenciais candidato, rapidas informaçoes sobre o Brasil, o idioma, as possibilidades, financiamentos, etc. Assisti ha uns dois anos, a titulo de curiosidade, e o professor que fala do Brasil é um francês  professor da UFRGS. Se eu nao estiver enganado, ja ouvi falar de dois franceses de la no departamento de Computaçao. Nao sei se ha mais. Aqui em Grenoble nunca ouvi falar de professor brasileiro, seja na UJF ou na Ensimag. Mas doutorandos eu posso chutar com confiança e dizer "tem mais de dez". Fora as dezenas que ja terminaram.

Devido a esta parceria, tem tanto estudantes de ca de Grenoble indo para la, como brasileiros vindo para ca. Muitos estudantes brasileiros vindos da UFRGS. Nos quatro anos em que fiquei em minha equipe, apareceram três estudantes da UFRGS e um deles continuou no doutorado. Da minha época, eu fui o unico brasileiro “sem convênio”. O interessante é que eu fui monitor da Ensimag por três anos, e dos mais de 200 estudantes que tive, nenhum era brasileiro. Como a disciplina era Banco de Dados, eu suspeito que eles ja devem chegar com o crédito do curso feito no Brasil. No ano passado ensinei Introduçao a Sistemas Distribuidos para o pessoal do ultimo ano, 53 alunos ao todo. Nenhum brasileiro.

O Brasil ainda é meio fechado para estudantes vindos de fora. Nao sou eu quem afirma, pois  isso ja foi tema da lista de discussao da Sociedade Brasileira de Computaçao. Aqui nao ha aulas em inglês, e duvido que haja em espanhol. Uma das melhores formas de criar vinculos com outros paìses e trazendo gente de la para estudar em seu paìs, ou mandando gente do seu para estudar là. Uma das maneiras de se fazer isso é criar programas de intercâmbio, como no caso acima. A tendência é a colaboraçao ir aumentando, e criar uma situaçao onde todos os lados ganham. Nao sei se com esse crescimento rapido (eu diria que esta inflando, ou inchando) talvez o Brasil mude mais a cabeça. O paìs tem ganhado bastante projeçao e confiança internacional, e muitos paìses querem estabelecer parcerias com ele. Talvez isso mude. Por enquanto, Dilma esta pensando em enviar milhares de brasileiros pra fora. Espero que nao vao com intuito apenas de passear, e que voltem também, com algo na cabeça.